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Trava a jato nas investigações

Confira a coluna Praça Oito desta quinta-feira, 27 de abril


Praça oito
Praça oito
Foto: Amarildo

Abusando da celeridade, o Senado conseguiu aprovar nesta quarta-feira (25), em regime relâmpago, o projeto que define os crimes de abuso de autoridade praticados por autoridades de todos os Poderes, inclusive magistrados e membros do Ministério Público. No mesmo dia, a redação final do projeto, dada por Roberto Requião (PR-PR) e muito louvada por quase todos os demais senadores, passou sem dificuldades na CCJ e no plenário da Casa.

Mais do que a velocidade, o que se destacou foi o clima de “vamos todos dar as mãos” que tomou conta do plenário, deixando a forte sensação de que, muito antes do interesse coletivo, o que o projeto visa proteger é a própria classe política. Para ser mais preciso, os próprios parlamentares que hoje exercem mandato e se encontram em peso ameaçados pelo avanço das investigações da Lava Jato.

A política é mesmo a arte de se produzir consensos e convergências onde antes só havia divergência. Mas é impossível não sentir algo muito estranho no ar quando se vê, por exemplo, representantes de polos tão antagônicos como Vanessa Grazziotin (PCdoB) e Ronaldo Caiado (DEM) concordarem irrestritamente a respeito de matéria tão polêmica. Cada qual em uma extremidade do espectro partidário brasileiro, PCdoB e DEM têm líderes importantes incluídos no rol de investigados pelo MPF a partir da lista de Fachin – a própria senadora, inclusive. Talvez aí esteja uma resposta.

Ninguém em sã consciência quer uma ditadura do Judiciário. Eventuais abusos de poder que tenham sido cometidos por juízes e procuradores no seio da Lava Jato não só podem como devem ser melhor discutidos. Como destaca o cientista político Milton Lahuerta (Unesp), desde o início da operação, é possível enumerar uma série de episódios que configuram evidentes excessos, situações em que juízes e procuradores exorbitaram de suas prerrogativas.

Entretanto, por mais que essa discussão tenha pertinência, o momento e a forma como ela ressurgiu com toda a força no Senado despertam na sociedade brasileira uma forte desconfiança: a de que o projeto de lei tem motivações puramente casuísticas. Primeiro, o timing inoportuno: o projeto passou a ser acelerado justamente no calor da Lava Jato. Segundo, a iniciativa: o patrono do projeto é Renan Calheiros (PMDB-AL), enrolado até a alma nas investigações. Para o cientista político Ricardo Caldas (UnB), esse flagrante casuísmo compromete qualquer possível mérito da iniciativa. Para ele, uma nova lei de abuso de autoridade não seria realmente necessária, pois a legislação atual é suficiente para coibir e punir eventuais abusos de poder praticados por juízes e investigadores.

“Essa nova proposta está vindo mais para intimidar os agentes da Lava Jato do que para dar uma contribuição à sociedade. Ela não poderia ter vindo num momento mais inoportuno. A iniciativa é totalmente casuística. Poderia ter vindo depois que a Lava Jato tivesse se encerrado, não no meio de uma investigação”, avalia Caldas, especialista em estudos sobre corrupção.

Pode-se até alegar que “dos males o menor”: para viabilizar a aprovação maciça no plenário, os líderes partidários fizeram um grande acordo e Requião cedeu em um dos pontos nevrálgicos do projeto original: o que criava o risco de magistrados e membros do MP poderem ser processados pelo chamado “crime de hermenêutica”, isto é, pela mera divergência na interpretação da lei – algo que pode perfeitamente ser revisto em instâncias judiciais superiores, que existem exatamente para isso, mediante a apresentação de recursos.

A redação original do artigo 1º do projeto abria brecha para que os agentes da Justiça fossem retaliados e tivessem seu trabalho inibido pelos agentes políticos processados e julgados por eles. Dizia que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade”, desde que “necessariamente razoável e fundamentada”. Seria um tiro no coração da Lava Jato. Requião aceitou suprimir o trecho “necessariamente razoável e fundamentada”. É uma pequena mudança que faz uma grande diferença. De fato abranda os riscos contidos no projeto, mas esse segue sendo temerário.

Com a aprovação tão açodada de uma “trava a jato” nas investigações, quinze dias após a lista de Fachin, a classe política se põe ainda mais sob suspeição.

Vai e vem de Magno

Titular da CCJ do Senado, Magno Malta (PR) não se opôs à aprovação do texto modificado de Requião para o projeto que criminaliza abuso de autoridade. Chegou até a gravar e enviar um vídeo em que elogiou a redação final. Mas, na votação em plenário, disse que o PR votava não. Teve que ser corrigido no ato por um colega, que encaminhou o voto da bancada pela aprovação do projeto.

“Muito inadequado”

Em entrevista ao jornal “O Globo”, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), criticou o momento em que o projeto de abuso de autoridade foi retomado. “Talvez seja muito inadequado”. Segundo o ministro, “é natural quem sofre investigação achar que esteja havendo abuso, mas a investigação é uma necessidade para a efetiva responsabilização”. Indiretamente, ele também atribuiu casuísmo à iniciativa. “Cada vez que acontece um fato, o Congresso legisla sem que apresente uma coisa duradoura.”

“Sob suspeição”

No plenário, a grande maioria dos senadores se congratulou pela solução dada ao projeto na CCJ. Defenderam que a redação final apresenta o equilíbrio adequado entre a garantia dos direitos individuais do cidadão e a preservação da persecução penal. Exceção à regra, Cristovam Buarque (PPS-DF) fez um alerta: “Tenho a clara sensação de que a origem desse projeto não foi para proteger os cidadãos desvalidos, mas para proteger as autoridades na hora em que começamos a ser julgados. Eu, como candidato diversas vezes, me sinto sob suspeição”.

Capixabas na FNP

Três prefeitos da Grande Vitoria foram eleitos ontem na chapa única que passará a comandar a Frente Nacional de Prefeitos (FNP). O chefe do município de Viana, Gilson Daniel (PV), assumirá a Vice-Presidência do Espírito Santo. O de Cariacica, Juninho (PPS), será vice-presidente de Políticas Sociais. E o de Vitória, Luciano Rezende (PPS), será o vice-presidente de Relações Internacionais.

Cena política

Discursando da tribuna da Assembleia na última terça, o deputado Euclério Sampaio (PDT) estava irado, mas arriscou um trocadilho carregado de humor negro. “No Espírito Santo não há muitos homens de bem. Homens de bens tem muitos e estão sendo denunciados.” Que coisa...

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