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Isenções fiscais

A coluna entra no debate sobre as isenções fiscais a empresas


Não se trata de questionar a existência das isenções, se elas são boas ou ruins. A ideia é propor um debate sobre a inexistência, isto sim, de divulgação de dados sobre as isenções e se essa falta de informações é boa ou ruim.

Os incentivos fiscais existem. Ponto. O governo alega que eles são imprescindíveis ao desenvolvimento econômico do Espírito Santo, para que o Estado possa competir em condições mais equilibradas com outras unidades federadas. Sem eles, alega o governo, o Espírito Santo perderia muito na concorrência com outros Estados mais competitivos. Investimentos e empresas – que aqui vêm se instalar e fazer negócios atraídas pelos incentivos fiscais – fatalmente migrariam para fora do Estado, transferindo-se para outros territórios com melhor estrutura logística e mais próximos dos principais mercados consumidores do país (principalmente, São Paulo). Enfim, essa é a realidade.

Num mundo perfeito, o ideal é que realmente não houvesse isenções, nem esse tipo de competição entre as unidades federadas. No lugar disso, nesse mundo perfeito, haveria um pacto federativo justo e equilibrado, um regime tributário federal simples, homogêneo e eficaz. Só que esse mundo perfeito está longe de existir. Ao invés dele, o que existe é “o nosso” mundo real: um país chamado Brasil, onde o pacto federativo é um engodo, o regime tributário é caótico e a guerra fiscal entre Estados acaba sendo encorajada. A lei do salve-se quem puder.

Nesse contexto, ficar de fora da guerra ou entrar nela sem usar as mesmas armas que os adversários (ou seja, deixando de oferecer incentivos fiscais às empresas) equivaleria a um suicídio comercial. Este é, a grosso modo, o pensamento do economista Bruno Funchal (veja abaixo), recém-designado para comandar a Secretaria de Estado da Fazenda.

Transparência

Pois bem, o foco desta discussão não é bem esse. O ponto central é outro. O que deve ser posto em debate não é se as isenções fiscais devem continuar sendo praticadas ou se devem ser extintas pelo governo estadual. O foco deve ser posicionado, isto sim, na atual falta de transparência sobre as referidas isenções.

Hoje, o cidadão capixaba efetivamente não consegue obter as informações referentes aos benefícios fiscais: quem são os beneficiários, que tipo de benefícios recebem, quais são as receitas a que o Estado renuncia em cada caso e, mais importante, quais são as receitas geradas aos cofres do Estado em contrapartida, a partir da instalação e da atividade econômica dessas empresas contempladas com incentivos – contrapartida essa que, em tese, é o que justificaria a isenção.

No dia 18 de dezembro de 2015 – última sessão daquele ano –, a Assembleia Legislativa aprovou, sem grande discussão, uma proposta enviada pelo governador Paulo Hartung que alterou a Constituição Estadual justamente neste ponto-chave. Por meio da Emenda Constitucional 103/2015, revogou-se o Artigo 145, que obrigava o governo do Estado e as prefeituras a publicar essas informações, no Diário Oficial do Estado, em até seis meses após o encerramento de cada exercício. Acabou-se a exigência legal. O governo se desobrigou de dar publicidade e prestar contas sobre isso.

A lógica econômica que fundamenta a preservação das isenções é representada por uma gangorra: o Estado perde por um lado, a partir do momento em que decide voluntariamente abrir mão de determinadas receitas tributárias (impostos que, a princípio, deveriam ser cobrados das empresas pelo governo); por outro lado, o que o Estado ganha com a operação de tais empresas em nosso solo compensaria o que ele deixa de arrecadar com a renúncia fiscal, na medida em que as outras receitas direta ou indiretamente geradas pela atividade dessas companhias acabaria superando o volume de receitas de que o Estado decidiu abrir mão.

A operação dessas empresas, atraídas pelos incentivos, geraria um efeito cascata virtuoso, pois elas geram empregos, movimentam a economia local e se inserem ou acabam dando origem a uma cadeia produtiva (outras empresas menores conectadas à primeira, como fornecedoras ou prestadoras de serviços, gerando ainda mais receitas tributárias). No entanto, na medida em que o governo estadual não dá publicidade a esses dados, como o cidadão pode ter certeza de que o saldo dessa gangorra é mesmo positivo para o Estado e, por extensão, para ele mesmo?

Partindo-se do pressuposto de que as isenções são necessárias, o cidadão não merece ter o direito de obter as informações sobre isso para que todos possam avaliar os resultados que as renúncias fiscais acarretam para o caixa estadual?

O governo alega que não pode revelar esse segredo porque isso acabaria entregando o ouro aos nossos concorrentes diretos e minaria os atrativos do ES para convencer novas empresas a virem operar aqui. Alega, ainda, que outros Estados não o fazem (veja abaixo).

Parecemos, assim, diante de um embate de conceitos igualmente importantes que estão em jogo: de um lado, a competitividade e o desenvolvimento econômico (o qual, em tese, levaria ao desenvolvimento social); do outro, os princípios da transparência e da publicidade (o direito que, em princípio, todo cidadão tem de saber como o Estado administra as finanças estaduais, ou seja, o dinheiro público; ou seja, o seu dinheiro).

Entrando em campo

A greve da PM marca uma virada para o segundo tempo do atual governo PH. Neste intervalo, o técnico chamou Bruno Funchal para jogar, saído do vestiário acadêmico. O desempenho dessa “arma secreta” no campo da administração pública ajudará a determinar os resultados do governo a partir de agora. Do êxito do novo secretário no cargo depende a vitória do Palácio no duelo de argumentos.

Recessão

A coluna perguntou ao novo secretário se está correta a afirmação do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de que a recessão terminou. Ele relativiza. “Para o Brasil, está correta se você olhar para as expectativas do 2º semestre. Mas no Espírito Santo é um pouco diferente, principalmente em razão da Samarco. Do 3º trimestre de 2015 para o 3º trimestre de 2016, o PIB estadual caiu 12%.”

Ajuste fiscal

Também perguntamos a Funchal se o caminho de ajuste fiscal seguido até agora pelo governo estadual deve ser mantido, aprofundado, ou revisto em alguns aspectos. “Acho que a postura foi adequada. É como foi bem falado: não adianta fazermos promessa de reajuste se não podemos reajustar.”

Isenções

E quanto à opinião do novo guardião do cofre sobre a política de benefícios fiscais? Funchal responde que não é verdade que ele seja defensor das isenções, mas entende que, no contexto da guerra fiscal, elas se tornam necessárias a um Estado como o Espírito Santo por uma questão de sobrevivência comercial. “No mundo ideal, nós teríamos um sistema tributário em que todos os Estados pudessem competir em condições de igualdade e em que as empresas pudessem escolher onde querem se instalar”. Ele acredita que o atual desequilíbrio federativo e a desigualdade de condições de disputa entre os Estados devam ser corrigidos pela reforma tributária que o governo Temer promete enviar ao Congresso.

Transparência

Sobre a ausência de transparência nos dados referentes às isenções oferecidas pelo governo estadual, Funchal afirmou que precisa reunir mais informações para poder opinar sobre este ponto (a entrevista foi dada na última terça-feira).

Paulo Roberto

Em agosto de 2016, a coluna chegou a abordar o tema com o então secretário da Fazenda, Paulo Roberto Ferreira (PMDB). Eis, em síntese, sua argumentação: “Nosso país não tem uma política de desenvolvimento regional. Por isso, os 27 Estados – todos, sem exceção –, mais o governo federal e mais milhares de municípios Brasil afora, cada um faz a sua política de desenvolvimento, e o ES tem a sua, através do Compete-ES e do Invest-ES, para fazer atração de novos empreendimentos, que geram renda, empregos e também tributos. Se a Weg Motores não tivesse vindo para o ES através desse mecanismo de incentivo que temos, estaria em Pernambuco. A Volare estaria no ES? Teria passado batido e ido para outro Estado. Tem alguns capixabas de alma paulista que precisam dizer claramente que é melhor mandar essas empresas embora, gerar renda em outros lugares. Algumas informações são estratégicas para os negócios. Vê se o RJ e SP publicam isso. A Toyota, para fabricar o (modelo) Ethios, foi para SP. Pergunta ao governo de SP se ele divulga o que ofereceu a mais para conseguir vencer a concorrência? O mesmo vale para o Polo de Camaçari, na Bahia; para a Fiat, em Pernambuco. Por que alguns capixabas nos cobram tanto por estarmos lutando para gerar empregos, renda e desenvolvimento regional?”

“ALMA PAULISTA”

Paulo Roberto Ferreira, em entrevista concedida em agosto: “Por que alguns capixabas nos cobram tanto por estarmos lutando para gerar empregos, renda e desenvolvimento regional?”

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