Gabriel Tebaldi

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Valores de papelão

Confira a coluna Outro Olhar deste sábado, 25 de março


Outro olhar

De Voltaire: “Aquilo que chamamos de acaso é apenas a causa ignorada de um efeito conhecido”. No país dos absurdos, impera a ignorância, e a ética é uma mera visita inconveniente. Na terra das delações, onde a justiça depende da ajuda de bandidos, pouca coisa surpreende. Mas é fato: a Operação Carne Fraca devolveu-nos o espanto e a desconfiança generalizada.

Vinte e um: esse é o número inicial de empresas investigadas por fraude e corrupção. De carne de cabeça a tripas, de peças em decomposição a papelão picado, tudo ia para a mesa do brasileiro. Em nome de um lucro doentio, grandes marcas deram adeus à responsabilidade e igualaram-se ao que há de pior no país.

Na vida ética, a confiança é valor inalienável. Na impossibilidade de verificar as condutas de todos, espera-se que a necessidade do bem comum motive os cidadãos ao dever das boas práticas. Porém, a cada dia confirma-se a ideia de que depositar confiança no Brasil é fazer papel de trouxa.

Somos a terra da cerveja com milho, dos rios destruídos por lama e do leite com soda cáustica; somos o lar da gasolina adulterada, da internet a gato e da clonagem de cartão; somos o palco do roubo, seja na “saidinha do banco” ou no juros de três dígitos; somos o berço do suborno, da ultrapassagem no acostamento e da ordem que necessita da repressão. Somos defeitos e virtudes, e nossa carne é, em verdade, fraca.

Só há, pois, um caminho para entender o Brasil: onde se vir um escândalo, enxergue um espelho. E onde parecer haver acaso, lembre-se das condutas adequadas e plenamente ignoradas em nome do ganho fácil, do lucro a todo custo.

Enquanto funcionários perdem o emprego, países fecham seus mercados à carne brasileira e a crise se agrava. No espelho sincero da realidade, o desprezo pela ética é a base do caos e da estranha tolerância que criamos diante do crime. Nós nos acostumamos ao absurdo. Talvez nossa inércia e apatia resida daí: em verdade, numa terra onde os valores são tão firmes quando um papelão picado, o oportunismo torna-se a única regra do jogo.

Gabriel Tebaldi é graduado em História pela Ufes

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